– Mestre, do fundo do Teu sofrimento, guia a minha caneta, para que também ela, na sua insensibilidade, dê testemunho do Teu Perpétuo Sacrifício.
– Que mais gostarias que a tua caneta gravasse neste momento?
– Não sei… Queria só que ela continuasse a gravar o Teu Mistério, como se fosse comandada directamente pelos Teus Desejos.
– O que acontecerá se os Meus próprios Desejos comandarem directamente a tua caneta?
– Está-os realizando já, à medida que escreve.
– Os Meus Desejos realizam-se pelo simples facto de ficarem escritos?
– Qualquer Palavra tua que desça à terra, não volta para o céu sem ter produzido o seu fruto.
– Não é isso mesmo que está acontecendo desde que escreves?
– Eu queria que fosse, e é essa a minha Fé. Mas é tudo tão frágil – o papel, a caneta, a emoção… E vejo tudo tão envolvido na minha deficiência…
– Repara no pedido que Me fizeste no início. Repete-o.
– Que a minha caneta estivesse gravando o Teu Sacrifício Perpétuo.
– As coisas que te venho revelando referem-se ao Meu Sacrifício?
– Qualquer revelação Tua à nossa natureza assim como a temos implica um sacrifício.
– Porquê?
– Porque Tu, o Prazer puro e a Felicidade plena, tens que Te reduzir aos alvéolos da nossa podridão.
– Comunicando-Me, sacrifico-Me?
– É verdade! Porque continuamente Te estás revelando, continuamente Te estás sujeitando à nossa capacidade de entender. Agora mesmo o estou sentindo: Tu estás-Te sujeitando a esta minha lentidão em redigir o Teu Desejo, quando, liberto desta prisão em que Te meteste comigo, Tu ages à velocidade da luz – Tu não tens velocidade, porque és instantâneo ao agir.
– Então nada do que Eu faço em vós o faço liberto da vossa deficiência!?
– Assim é, Mestre; por isso o Teu Sacrifício é perpétuo.
– Que significa então, neste caso, abolir o Meu Sacrifício Perpétuo?
– Significa banir-Te da nossa deficiência, tentando fazer dela a nossa força.
– Como assim? Quando fazeis vós da vossa deficiência força?
– Quando Te dispensamos e, sozinhos, nos pomos a erguer a nossa Cidade: é claro que ela vai cair, depois de nos ter gasto as energias e esmagado se sofrimento. Abolir o Teu Sacrifício Perpétuo é negar a Tua Incarnação.
– A Minha Incarnação vai, em ti, até à própria dificuldade em redigir?
– Vai: Tu estás aqui no meu cérebro atrofiado, nos meus nervos engelhados, nos meus músculos ronceiros, nesta caneta ridícula, que deveria ser fogo vindo de Ti, executando instantaneamente a Tua Vontade.
– Também a caneta é deficiência tua?
– Pois é.
– E como escreverias, sem ela?
– Ela é fruto da minha deficiência. É porque sou deficiente que preciso dela.
– A Minha Incarnação em ti vai até à própria caneta, fruto da tua deficiência?
– Vai: também a minha caneta Tu a estás assumindo toda.
– E assumindo até assim a tua caneta, não estou colaborando na conservação da Cidade?
– Não: esta caneta está justamente escrevendo o Plano de destruição da Cidade, de modo que não fique pedra sobre pedra, até aos seus fundamentos.
– Olha, Profeta: reparaste no que acabaste de dizer?
– Reparei: acabo de provocar a revolta da Cidade contra mim, que deste modo lhe anuncio a ruína e o fim.
– Escreve o que sentes neste momento.
– Que a minha caneta parou porque perdi o fio à meada, por falta de assunto.
– E é preciso que continues?
– Não sei… Queria só chegar ao fim da folha: é uma mania que eu tenho.
São 6:25!
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