E de novo eu fico assim, impotente, transformado todo numa grande interrogação: que quer o Senhor que eu faça? Se Ele me perguntasse a mim o que eu quero fazer, eu responderia que quero ir para a rua, abandonar tudo e segui-Lo, até ao cabo do mundo. Mas perante aquele apelo do meu Companheiro de Solidão, fico atado e perplexo, sem atinar como lhe possa corresponder mais do que assim escrevendo, assim orando, assim vigiando. Escrevo pouco? É preciso orar mais? Não é tão atenta a minha vigilância quanto devia?
– Diz-me, Mestre, o que me queres com tão veemente pedido para que vá, se me manténs aqui neste quarto, sempre nestas mesmas ruas, sempre neste mesmo silêncio. Eu não me estou a portar bem?
– Se Eu te respondesse que não, que não te portas bem, que não estou a gostar do que fazes, qual seria a tua reacção?
– Ficava certamente confuso e triste.
– Confuso, porquê?
– Porque não combinaria Contigo: seria uma atitude completamente estranha ao Teu comportamento habitual para comigo.
– E qual é o Meu comportamento habitual para contigo?
– A Paz: Tu és aquele Amigo que Se sente feliz na minha companhia.
– Nunca te ralhei?
– Muito raramente e sempre em casos pontuais, muito concretos; assim uma repreensão genérica, sem me apontares com precisão onde Te ofendi, isso foi atitude que nunca tiveste comigo.
– Quando Me mostro magoado, é sempre por um motivo concreto?
– É essa a minha experiência.
– Sabes porque faço assim?
– Porque Te custa muito ver-nos angustiados, sem caminho por onde avançar: Tu és a Luz e tudo o que fazes ilumina.
– Mas não escreveste tu já tantas vezes que te sentes perplexo, caminhando na escuridão, cheio de dúvidas?
– Escrevi. Mas nunca ninguém lerá nestas páginas que me sinto angustiado.
– Lerá – futuro?
– Sim, Mestre! Se alguém um dia ler angústia nestas páginas, é porque elas deixaram de ser Tuas, é porque eu Te fugi e Te neguei de forma obstinada.
– Porque dizes “de forma obstinada”?
– Porque, mesmo havendo uma negação como a do Teu Pedro, momentânea e avulsa, nunca ninguém me verá exprimir angústia, mas apenas uma grande dor: Tu nunca nos deixas ficar no poço em que caímos, a não ser que não queiramos de lá sair.
– Não é então angústia o que sentes agora, perante aquele Meu apelo para que anuncies e testemunhes tudo quanto te tenho dado?
– Não! De modo nenhum! É só uma tensão interior que me põe os ouvidos atentos a qualquer indicação concreta que me queiras dar.
– Mas se nenhuma indicação concreta ouvires, que sentido darás àquele Meu apelo? Não se tornam palavras ocas?
– Não!
– Porquê?
– Porque eu estou já partilhando o Teu tempo, que tem uma dimensão muito diferente da nossa.
– Então quando Eu digo Vai!, não é para ir?
– É.
– E tu obedeceste?
– Obedeci.
– Como?
– Escrevendo. Interrogando-Te sobre o que quererás de mim. Revelando-Te a minha ânsia de ir até ao cabo do mundo Contigo. Ficando assim mais Teu amigo.
– Ficar Meu amigo é ir?
– É o único caminho por onde se avança de verdade.
– Mesmo que não se saia de um quarto?
– Se eu percorrer os caminhos todos da terra sem ser Teu amigo, seria melhor ter ficado, porque toda a minha canseira e as minhas palavras terão sido inúteis.
– Mas a quem aproveita o seres Meu amigo fechado num quarto?
– A minha amizade transforma-me em Ti e Tu és Luz que trespassa o próprio globo terrestre de um lado ao outro, sem precisares de dar a volta!
– Ficavas feliz se Eu te dissesse que nunca sairás deste quarto, destas ruas, deste silêncio?
– Tu nunca dirás isso a ninguém. Até a uma freira de clausura Tu estás continuamente dizendo: Vai! Anuncia-Me!
São 6:02!
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