– 10:03
Mais uma vez se me realça nos algarismos a Transcendência. E hoje, em especial, o Invisível Espírito. Vejam-se os algarismos do início da vigília: eles acentuam a minha qualidade de testemunha daquela Realidade transcendente e invisível!
O mundo invisível! O mundo para além da realidade física – metafísico, como dizem os nossos sábios! Eu costumo dizer aos meus alunos que aquilo que eu deles vejo com os olhos é secundaríssimo: eles são, essencialmente, invisíveis. Normalmente ficam de expressão parada, tensa, uns momentos. Creio que acreditam, mas não sei com que fogo. Não sei se esta fé juvenil lhes irá inverter o processo de fixação no mundo visível a que os vejo agarrar-se com unhas e dentes. Se nem na minha própria casa consigo ver outra coisa que não seja uma sôfrega exploração do mundo físico! Se nem eu, que isto prego, consigo evitar as desordenadas solicitações e impulsos da carne!
O Pecado atingiu e atinge em nós essencialmente o mundo invisível, esse que faz a nossa específica identidade, aquele que nos distingue de todos os outros seres. Ficámos dependentes do barro, porque o Sopro da Vida foi n’Aquele Dia ferido de morte. E, por via d’Ele, também o barro foi atingido: foi-se-lhe a força que o iluminava, vivificava e unia. Depois do pecado, o próprio barro ficou sujeito a esboroar-se ao primeiro abalo. Como barro só. E quantos montículos de barro não há aí na paisagem deste Deserto, esboroados, restos de figuras vivas com que Deus sonhou correndo loucas de felicidade por entre o Verde que deveria existir, onde agora são morros despidos e areias escaldantes!
Como se volta lá, ao Princípio, ao Sonho de Deus? É absurdo pensarmos que poderemos fazer alguma coisa nós só, nós-montículos de barro esboroado, espalhado pelo Deserto. Do Sonho de Deus só Deus sabe – diz a nossa lógica. Então, porque, ainda segundo a nossa lógica, para nada prestamos assim montículos esboroados secando mais e mais ao sol deste Deserto, deixemos Deus trabalhar. Ele, pelo facto de ser Deus, pode tudo, pode ressuscitar mortos, pode fazer de pedras filhos de Abraão. Então? Porque hesitamos? Que temos a perder? Já vimos que não há alternativa: a contar só com nós próprios, o Deserto fica mais deserto, o nosso corpo mirra, esboroa-se cada vez mais. A hipótese é deixar Deus agir. Para isso, o primeiro passo é parar. Parar literalmente com o trabalho de secagem e esboroamento que estávamos fazendo. O segundo passo – ainda segundo a nossa lógica! – é deixar-se literalmente manipular pelas Mãos de Deus!
Primeiro que eu entendesse isto!… É claro que este abandonar-se assim custa muito: é tudo ao contrário do que era, a gente não entende nada, sentimo-nos perdidos. Mais: sentimo-nos morrer. Só então, lentamente, se começam a tornar vivas em nós palavras que haviam ficado cristalizadas na nossa mente. Por exemplo esta: “Se o grão de trigo não morrer…”. Ou esta: “Não vos preocupeis com o que haveis de comer ou de vestir…”. Ou esta, do Salmo que o Senhor hoje utilizou para me moldar a capacidade de agradecer: “É preciosa aos olhos do Senhor a morte dos Seus fiéis”. Só agora começamos a ter a noção de onde nos encontrávamos e com crescente assombro nos perguntamos como foi possível termo-nos agarrado àquilo.
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