Foi-me dada ontem uma palavra da Escritura e neste momento não sei ainda qual é: a Cidade monopolizou o meu tempo e a minha atenção, de modo que dela me não lembrei mais, nem ao deitar. E agora que isto verifico, novamente me interrogo se não terei magoado o meu Amigo. Mas de dentro me vem a Sua Voz sumida do cansaço e da dor dizendo-me que se alguém sabe do nosso cansaço e da nossa dor é Ele e que, se nos doer de Lhe termos assim este amor raquítico, estaremos guardados no Seu Coração até que um dia, de repente, também o nosso se incendiará.
Vou, pois, em clima interior tranquilo, abrir agora a Escritura.
Ap 5, 9 |
“Cantavam um cântico novo, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir os seus selos, porque foste morto e com o Teu sangue resgataste para Deus homens de toda a tribo, língua, povo e nação”.
– Porque Me falas assim agora? Sentiste-te assaltado por alguma tentação?
– Não sei, mas podia muito bem ser uma grande tentação.
– Regista toda a tua sensação. Regista só a verdade sempre.
– Acostumado como estou a que sejam para mim as palavras que me dás, ao ler aquele versículo ia aplicando a mim o que estava lendo: “Digno és de tomar o livro e de abrir os seus selos…”. Só depois reparei que é a Ti que estas palavras se referem.
– E ficaste aflito?
– Nem por isso; fiquei duvidoso e aqui está a minha surpresa e o meu medo.
– Admitias que, mesmo referidas a Mim, poderiam aplicar-se a ti aquelas palavras?
– Passou-me isso pelo espírito… Tu és tão excessivo a dar…
– E desapareceu a dúvida?
– Não, e por isso continua em mim o medo – não de Ti, Tu sabe-lo bem, mas da minha insaciável ambição.
– Vamos ver melhor: poderiam, de alguma forma, aplicar-se a ti as palavras seguintes – “foste morto e com o teu sangue resgataste para Deus homens de toda a tribo…”?
– Poderiam, Mestre! Tenho que Te responder que sim: o Teu Amor não tem medida nenhuma.
– Em que medida, então, podes tu resgatar para Deus pessoas…?
– Só Tu podes resgatar-nos, porque todos nós estamos prisioneiros e por isso é impossível arranjarmos com que pagar o resgate – nem o nosso, nem o de quem quer que seja. Mas se formos Teus amigos, Tu ficas tão louco de alegria, que nos associas a Ti nesta missão de resgatar a Humanidade da prisão e do exílio em que vive na sua própria terra.
– Como vos posso Eu associar a Mim?
– Juntando o nosso sofrimento ao Teu.
– Também tu já “foste morto”?
– Se não fui, deve faltar pouco: está-se-me tornando insuportável a carga que a Cidade me impõe e as minhas forças estão a atingir o seu limite.
– Se Eu quisesse agora, perante vós, “tomar o livro e abrir os seus selos”, davas-Me as tuas mãos?
– Oh, Mestre! Dava-Te as mãos e os pés e o corpo todo!
São 8:30.
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