13/1/98 – 2:01
– Jesus, aí do fundo da amargura do Teu Cálice, vem falar comigo… Estas vigílias estão-se-me tornando tão duras… Demoro tanto tempo a levantar-me… Hoje acordei às zero horas e tal, uma hora depois de me ter deitado… Voltei a adormecer quase logo… Eu não vou parar ao manicómio?
– E se fosses?
– Se fosse, desacreditava todos estes milhares de páginas.
– E qual das duas coisas te preocupa mais – o desarranjo mental ou o descrédito destas páginas?
– Se o meu desarranjo mental conduzisse ao triunfo destas páginas, não me importava nada o desarranjo mental.
– E ao contrário – se a condição para permaneceres lúcido fosse o abandono da escrita e portanto o seu fracasso, tu abandonavas a escrita?
– Não. Pelo triunfo destas páginas, eu corro qualquer risco.
– Mas se Eu te garantisse o triunfo das páginas já escritas – suspendendo portanto aqui a escrita e as vigílias?
– Só se expressamente me mandasses parar. Mesmo com o êxito garantido das páginas já escritas, eu nunca pararia de escrever e de vigiar durante a noite se mo não ordenasses expressamente.
– E se viveres mais trinta anos?
– Escreverei e vigiarei mais trinta anos, se outra coisa me não disseres claramente.
– E dá para mais trinta anos o Mistério da tua Alma, sem se esgotar?
– Eu creio em que o Mistério da minha Alma nunca mais se esgotará: é uma fonte eterna.
– Sem se repetir?
– Repetindo-se, obviamente, como as estações do ano se reptem.
– E não te tornarias enfadonho, repetindo-te assim?
– As pessoas só se tornam enfadonhas quando nelas deixou de haver estações repetindo-se.
– E quando é que isso acontece?
– Quando nelas a vida se extinguiu.
– E a vida pode assim extinguir-se nas pessoas, continuando elas a caminhar sobre a terra?
– É essa a situação mais vulgar neste mundo.
– O mundo é povoado por pessoas mortas?
– É. Eu próprio estava caminhando a passos largos para essa morte, a verdadeira morte, quando Tu me vieste buscar e me fizeste inverter a marcha – para a Vida!
– Eras mais aborrecido nesse tempo em que estavas morrendo?
– Era! Sentia que toda a novidade se me esgotava e aborrecia os outros com coisas que eles já sabiam e, se não sabiam, não estavam interessados em saber.
– Porquê?
– Porque mesmo as coisas desconhecidas podem ser velhas.
– Como assim?
– São sempre velhas quando trazem a marca da aridez, como é velha uma nova duna, no Deserto…
– A novidade que tu trazias às pessoas era só uma nova duna?
– Era. Estava sendo cada vez mais assim.
– Diz-Me: quando é que essa situação se começou a inverter?
– Quando casei. Esse tempo coincidiu com o abandono de todas as práticas religiosas ritualizadas, com um atroz sofrimento e com a lenta descoberta do Teu Coração. Mas só verdadeiramente pus os pés no caminho de regresso a Ti quando me vieste buscar, naquele Agosto de 1994.
– E sabes porque aceitaste tão facilmente vir Comigo?
– Julgo que foi por causa do sofrimento passado, em que, na minha solidão, a ninguém pude recorrer senão a Ti.
– Olha: não queres então largar as vigílias e a escrita?
– Nem por nada deste mundo.
– Nem que Eu to peça?
– Se mo pedires… Mas é preciso que nesse pedido eu veja uma autêntica ordem Tua, caso contrário continuarei a insistir em permanecer Contigo no Teu Getsémani.
– De que te queixavas então há pouco, quando começaste a escrever?
– Acho que era só um queixume como o Teu, no Getsémani.
– Eu não fiz ao Pai um autêntico pedido para que Me livrasse da Cruz?
– Acho que não: foi só um gigantesco queixume da Tua Alma, por causa do peso monstro que a esmagava. Foi só como que a procurar a Mão do Pai, antes do transe máximo, para Te dar força. Porque Tu sabias que tinha que ser e não suportarias desistir. Eu também só procuro a Tua Mão, mas desistir eu não quero de modo nenhum!
São 4:02.
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