19/11/96
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– Que sentido tem o acordares-me a esta
hora, Mestre?
– Estar contigo.
– Porquê, Mestre? Tinhas saudades? Tens
algum problema?
– Muitas saudades e muitos problemas.
– E arranca-se assim um amigo da cama a esta
hora?
– E há horas para ter saudades e problemas?
– Diz-me então porque tinhas saudades.
Gostas assim tanto de estar comigo?
– Tenho tão poucos amigos com quem possa
estar assim…
– Assim como, Companheiro?
– Assim precisamente como Companheiro.
– Porquê? Os outros Teus amigos não são
companheiros?
– Caminham uns muito à frente, outros muito
atrás. Assim quem caminhe ao Meu lado tenho muito pouquinhos.
– Que quer dizer caminhar à Tua frente?
– É estar feliz por ter sido curado por Mim.
Tão felizes vão estes Meus amigos, que se esquecem de Mim.
– Como aqueles dez leprosos, dos quais só um
voltou atrás para Te agradecer?
– Isso, Salomão. Há muitos que, na euforia
da cura, se esquecem de que Eu continuo no Deserto.
– E quem são os Teus amigos que caminham
atrás de Ti?
– São as multidões cheias de sede. Estes
precisam de Mim mais do que Me amam.
– Estão presos a Ti uns porque já foram
curados e outros porque ainda não foram curados, é isso?
– É, é isso, Meu querido Profeta: uns muito
à frente, felizes; outros muito atrás, sedentos. Mas quem vai junto de Mim?
Aqui mesmo ao Meu lado, carregando Comigo as Minhas dores todas, ouvindo-Me os
lamentos, como um confidente incansável e fiel? Com quem posso verdadeiramente conversar, como com um igual?
– Ah, Mestre! E eu sou esse companheiro com
quem Tu podes conversar como com alguém a Ti igual?
– Quantas páginas já escreveste aqui junto
de Mim?
– Tenho que fazer contas… Quase quatro mil.
Mas eu dou-Te algum gozo, ou alguma consolação, meu Senhor? Que companheiro
pode ser quem apenas escreve Desejos Teus e tão lentamente, e tão friamente, às
vezes?
– Lentamente e friamente é como eu caminho
neste Deserto que fizestes e ninguém quer atravessá-lo Comigo, par e passo, ajudando-Me
a levar este peso e esta dor e esta desolação.
– Agora disseste bem, Mestre: ninguém Te acompanha, certamente. Que
natureza humana poderá suportar o que Tu suportas? Não me deixes escrever
asneira, Mestre. Diz-me: quem sou eu, para Ti?
– Aquele que Me escreve os Sonhos e as
Dores.
– E isso torna-me Teu igual nesta caminhada?
– Que mais posso Eu querer de um amigo,
senão que Me deixe gravada neste Deserto cada Pegada e cada Dor?
– Mas como pode satisfazer-Te quem de Ti só
aprende e nada Te pode ensinar?
– Enganas-te, Meu amigo; cada sonho teu e
cada dor tua é voz da multidão conduzindo-Me à sua sede.
– Eu ensino-Te onde é a sede da
multidão?
– Em ti Eu ouço a sede de cada um de vós e
posso falar-vos da Minha Sede.
– E isso contenta-Te? Isso satisfaz-Te, meu
Senhor?
– Como não poderia satisfazer, se foi para
isso que Eu vim?
– Para saber da nossa sede?
– E para vos falar da Minha.
– Ah, meu Senhor…
– Diz antes como ias dizer.
– Ah, meu Amor, meu Amor, que coisas
assombrosas Tu acabas de dizer da nossa humanidade!
– Que disse Eu da nossa humanidade?
– Disseste “nossa” e está aqui todo o amor que nos tens. Meu querido Jesus,
gosto tanto de Ti, que não sei o que Te hei-de fazer…
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