Quando Jesus grita, Se indigna, é porque uma muito grave rotura foi
feita, ou ameaça ser feita, na Harmonia. Aqui o grito de Jesus indignado surge
ao falar-se do Prazer sensual, a propósito de uma citação do Cântico dos Cânticos.
7/7/96 – 9:42
– Alarga, pois, o olhar do meu coração,
Mestre, e dirige-o para a zona do Mistério que nos queres mostrar.
– A zona do Mistério do Meu Pai que te quero
mostrar está nas citações que te fiz trazer esta noite. Verifica.
– A primeira citação levou-me, de facto, ao
vazio: não há capítulo nove.
– Eu nunca levo ninguém ao vazio! Não há
vazio em zona nenhuma de Mim.
– E agora, Mestre? Como faço?
– Que sentes, neste momento?
– Uma ânsia de ver o que há neste lugar, que
eu disse e pensei vazio.
– Curiosidade?
– Acho que não. É sede. Eu sei que o que me
vais mostrar não é coisa que se veja e se possa depois dizer Está visto, mas é
bebida de que ando à procura sem saber.
– Que é do vazio, agora?
– Está enchendo-se…com sede.
– Se todo este vazio se encher de sede, de
sede apenas, ficará escrito o novo capítulo do Cântico dos Cânticos?
– Ficará, sim, meu Senhor! Já vi e estou
especado de assombro: o Cântico dos Cânticos termina precisamente no capítulo
oitavo, o que eu desconhecia!
– Como acabas de ver, o Cântico dos Cânticos
não termina no capítulo oitavo: tem pelo menos mais um capítulo – o nono!
– Sim, meu Senhor! E que diz o capítulo
nono?
– Fala de sede. O tema é a sede.
– E que sede, meu Amigo bom deste Deserto?
– Como escreveste?
– Sede de uma “bebida de que ando à procura
sem saber”.
– Tens presente a que propósito te foi
sugerido o Cântico dos Cânticos?
– Do prazer físico, sensual. Eu estava
confuso… Era um dos caminhos que me estava mascarado: eu não sabia se era bem,
se era mal.
– E que vês agora?
– Ter sede do prazer sensual é bom! O
Capítulo Nono que estás acrescentando ao Cântico dos Cânticos estará para
sempre abençoando a sede do prazer sensual!
– Alguma sombra ainda, no teu coração?
– Sim, uma sombra intermitente, fugidia: o
prazer sensual é um perigo…
– Não, não é! Escreve Prazer com maiúscula!
Não é um perigo! Perigo é esquecer os Dons do Pai! Perigo é rejeitar o Dom que
o Amor puro vos ofereceu! Foi isso o que fizestes! E não vedes o resultado do
vosso Pecado?
Jesus grita, indignado. Já não é a primeira
vez que Ele assim Se manifesta perante aquilo que fizemos ao Dom do Prazer.
Dir-se-ia que foi o Dom mais maltratado, desde a Queda. De facto, a primeira
obra de Adão depois do Pecado foi um “cinturão de folhas de figueira” para
cobrir o órgão sexual. É claro que tudo neste relato bíblico é simbólico, mas
por isso mesmo: ele tem uma amplitude infinitamente maior do que a visão
puramente literal. E é um facto que sempre a consciência dos povos ali viu uma
referência à sexualidade, como se ela e tudo o que ela implica fosse o primeiro
Dom que o homem, por instigação da Serpente, roubou ao Criador e por isso o
escondeu. E quando Deus perguntou ao homem porque assim se escondia, Adão
respondeu que era porque estava nu. Mais uma vez o símbolo nos pode levar a
muitas e pertinentes interpretações desta nudez que Adão confessou ao Criador.
Mas uma delas é certamente esta: Adão estava mentindo. De facto, o estar nu
nunca antes tinha sido razão para se esconder. A razão era esta: ele sabia que
tinha praticado um roubo e por isso estava escondendo do seu Dono o produto do
roubo: o estonteante prazer sensual de que o sexo é simultaneamente veículo e
símbolo. Por isso a pergunta de Deus: Mas quem te disse que estavas nu? É esta
a pergunta que desmascara Adão e a Serpente, revelando a Mentira que também
nesse momento nascera no coração humano, alargando a ruína. Mas logo a Verdade,
inexorável, ressoa aos ouvidos do homem. Contudo Deus não a apresenta de modo a
esmagar logo ali o homem, que era o que a nossa lógica diz que ele merecia:
Deus, de Coração dilacerado, tem ainda espaço para criar no homem a
Consciência, o primeiro Dom do Criador depois da Queda, porque este Deus sempre
esteve dando, este Deus nunca parou de dar! Por isso criou Deus naquele
momento, no coração do homem transido de medo no seu buraco, a Consciência,
arrancando-a à ruína em que se estava tornando a Sua Imagem, com esta pergunta:
Não terá sido por teres comido do fruto que Eu te disse ser Meu, apenas Meu?
Não terá sido por teres praticado um roubo?
E este roubo foi, de facto, trágico, de
consequências espectaculares! Desligando-se de Deus, Adão só por Milagre do
Amor não regressou ao Nada de onde viera. Mas ficou reduzido ao barro de onde
fora levantado o seu corpo. Assim, privado da felicidade que lhe vinha do Sopro
que o vivificava, agarrou-se à felicidade do barro apenas, como propriedade
sua. Mas tenso sempre, um medo sempre roendo-lhe a alma, porque logo a partir
do Paraíso tem a consciência de que se trata de uma propriedade roubada.
Mas Jesus veio à terra escrever o Cântico
dos Cânticos, acrescentando-lhe agora, no Dia Nono, o Capítulo Nono!
Sem comentários:
Enviar um comentário