Neste mundo cultiva-se até ao delírio o mérito pessoal. São os méritos
que fazem os nossos heróis. Quando nos apaixonamos por Jesus e passamos a
ouvi-Lo pela primeira vez com verdadeira atenção, é esta uma das primeiras
coisas que é posta em causa e começa a esbarrondar-se. Mas não deixa de ser um
“Mistério medonho”, mesmo que seja aqui observado com a leveza de uma criança…
Confeitaria
“Márcio”, 28/12/94 .
(São 18:44 em ponto. Segundos e tudo!)
– Andas a insistir no 4 de uma forma
estranha. Que queres de mim, Jesus?
– Não sabes já?
– Sei duas coisas.
– Não é mau. Há quem não saiba nada. A
primeira é…
– Que Te amo sobre todas as coisas.
– E
cumpres?
– Cumpro. Cumpro, sim. Eu sei que é
temerário dizer isto, mas é verdade. És o meu único Amor.
– Então não cumpres: o mandamento é amar a
Deus sobre todas as coisas e não a Deus unicamente.
– Cumpro, sim. Já expliquei isso… Vou ver. Olha:
foi anteontem. Eu digo doutra maneira: para amar todas as coisas tenho que Te
amar a Ti unicamente. Se eu te amar a
Ti unicamente é o Teu Coração que sinto palpitar quando encosto o ouvido àquele
enorme penedo do Brejo, lá no Rossão, quando me abraço às árvores ali na bouça.
E amo todas as coisas porque Te amo unicamente a Ti! Não sei explicar melhor.
– Muito bem. E a segunda coisa que sabes…
– Sei que me queres para dar.
– Tu és, então, uma dádiva Minha?
– Tu queres que seja.
– Para quem?
– Para mim: eu devo ter consciência de que
sou puro Dom: nada é meu, a não ser as deficiências, as verrugas, as manchas na
Tua Imagem que eu sou.
– E a liberdade?
– A faculdade de escolher entre o bem e o
mal, entre ser puro e manchar-me, também é um Dom Teu.
– Então o teu mérito…
– É nulo. E aqui está o grande mistério, de
que só sei mesmo isto: todo o bem que faço ou que em mim acontece é Obra Tua.
Só o mal é meu e só do mal me posso gloriar.
– Mas se calhar nem o mal é teu… Não será do
Demónio?
– “Se calhar…”, “Não será…”? És um
provocador como nunca vi outro! Era tão melhor que fosses Tu a dizer, a
ensinar.
– Melhor?
–Mais fácil para mim.
–Ah! Mais fácil! Queres que ajude um pouco?
– Queres que se avance por aqui fora? Isto é
um Mistério medonho! Uma pessoa chega aqui e normalmente protesta perante esta
escuridão.
– Mistério não é escuridão.
– Eu sei: Mistério é essencialmente Sedução.
Mas a porta é feita de trevas. Então esta… Se todo o bem é Teu; se todo o mal é
do Demónio, que é de nós? Quem somos nós, nós-nós, sem Deus nem Demónio?
– Puseste outra vez o Demónio ao nível de
Deus.
– Se calhar está aí a chave do enigma:
quando, usando o livre arbítrio, que é Teu, escolhemos o mal, rebelamo-nos
contra Ti. Tornamo-nos então “independentes” de Ti. Esta independência é então
obra nossa, nossa-sem-Ti. Passamos, então, para o mundo do Demónio, porque o
Demónio é, na essência, o Rebelde,
porque se independentizou de Ti. Nós, sem
Ti, somos só mal, isto é, degenerescência, isto é, morte.
– Isto é…
– Uff! Mais? Está bem: Isto é, só em Ti somos. A nossa verdadeira
Personalidade consiste em ser. E só Tu ÉS! Jesus, já chega! Não é o meu forte
este tipo de actividade… cerebral.
– Não gostaste do que escreveste?
–
Gosto muito de furar para o lado das Origens, isso gosto. O raciocínio é uma
broca de furar?
– É uma broca. Só fura. Se não vier o
Coração, não adianta furar.
– A broca fura, a razão abre a brecha e o
coração espreita, é isso?
– Só o coração vê. Foste broca furando.
Espreita agora com o coração. Que vês?
– Que é bom ser Dádiva. Dádiva só. Sendo
Dádiva pura, somos do tamanho do Universo!
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