Sabemos de cor palavras que nunca ouvimos. Estas, por exemplo: Deus
criou o homem à Sua Imagem e Semelhança. Se ouvíssemos estas palavras e ao
mesmo tempo nos fixássemos na distância que delas vai para a situação em que
nos encontramos, haveríamos de tropeçar na evidência de que uma enorme Tragédia
deverá ter acontecido. Quando? Onde? Porquê?
29/7/95
– 9:49
– Senhor Jesus, meu Companheiro, meu
insubstituível Amigo, meu Deus todo-poderoso, meu Tudo! Só Tu me conheces. Só
Tu me podes guiar neste Deserto. Só Tu, através do Teu Espírito, me podes
recriar, podes comandar e controlar o fluxo da vida dentro da mais pequenina
das minhas células. Arrasto comigo ainda um grande peso morto, abrutalhado,
fruto da Queda de que eu sou corresponsável. Sei que é neste corpo assim
disforme que o Diabo se compraz, porque ele é toda a sua glória. Por isso
procura reduzir todo o nosso ser, também a alma, a esta massa informe,
destinada ao pó – à morte. Vem então, Jesus, meu único Mestre a Quem amo sobre
todas as coisas, e fala-me da dignidade do nosso corpo, daquele Corpo com que o
Pai sonhou, Tu, Verbo Omnipotente, fizeste surgir da terra e o Espírito saído
das Entranhas do Pai vivificou com a própria Vida de Deus. Onde está agora este
Corpo certamente deslumbrante, encanto Teu e de todos os Teus anjos, destinado
à imortalidade?
– Onde está esse Corpo, Salomão, meu querido
amigo? Morreu. Morreu e a Dor de Meu Pai não a poderás nunca entender, porque
esse Corpo sonhara-O Ele para Mim!
Não poderás nunca entender o abalo que foi no Coração de Deus! A tragédia que
foi para toda a Criação! Porque a Criação ficou privada do seu Rei. Naquele Ser
deslumbrante estava a Criação toda presente através do Corpo que dela Eu
formara com as Minhas Palavras que são Mãos perfeitas e eficazes até à
perfeição. Aquele Corpo sonhara-o o Pai, moldara-o Eu como se fosse para Mim!
Eu fiz um Corpo, para Mim próprio, à medida da Minha Omnipotência e da Minha
Perfeição. Pus nele toda a Minha Sabedoria. O Pai sonhara-o imortal e Eu o
moldei para nunca mais morrer. Então o Meu Pai encheu-Se de Ternura por aquele
Corpo e nele infundiu o Espírito como uma Torrente, como um Beijo. Como se Me
beijasse a Mim, a Mim! Aquele Corpo era para Mim, para Mim! Mas chamámos-lhe
Homem! E o Homem era o nosso Encanto e a Esperança da Criação inteira. Porque
lha entregámos, a esta perfeita Imagem Nossa, para que a cultivasse. O Homem,
através do seu Corpo, poderia partilhar a seiva e a sensualidade estonteante da
Criação. Poderia entender e amar todo o ser vivente, toda a matéria inerte
porque com o olhar lhe furaria a aparência e lhe veria as entranhas. Poderia
então cultivar este imenso Jardim de delícias, sem suor e sem pena. Com o olhar
vigiaria o voo da ave pequenina acabada de sair do ninho, com a mão replantaria
o arbusto arrancado pela tempestade, com a mente ensinaria o leão a
alimentar-se sem fazer doer a nenhum ser vivente, com o coração, à noite sobre
o monte, de pé, ou deitado na fofa verdura do fundo vale, olhando o céu ainda
para lá das estrelas, haveria de sorrir e falar com o Criador, dizendo: Louvado
sejas, meu Senhor, porque és Bom! Nada destruiria do que o Senhor lhe dera e
conjugaria o verbo cultivar como quem conjuga o verbo amar. E ao cultivar
assim, sem nada destruir, só como quem aperfeiçoa a obra que só por amor lhe
foi passada para as mãos incompleta, o Homem olharia à sua volta e sentir-se-ia
também criador.
Uma funda Paz inundaria o seu ser todo e
adormeceria sem nenhum medo da noite ou do escorpião.
– Só que um dia passou por ali uma serpente,
não foi, Jesus? Uma serpente que era só um disfarce, porque as verdadeiras
serpentes, essas eram também deslumbrantes criaturas a quem o Homem iria
ensinar a aplicar o veneno que o Senhor lhes dera, na dose certa para
anestesiar a patinha da gazela que se ferira no terramoto, não era, Jesus?
– Era Salomão, era.
Jesus, agora com o Corpo deslumbrante com
que Se mostrou no Tabor, com que apareceu nas casas e nos caminhos depois de
ressuscitado, chora.
– Não chores, Jesus. Deve ser horrível
olhares agora o nosso corpo, mas não chores…. Não sei o que hei-de fazer para
que Tu não chores, mas Tu sabes. Queres dizer-me como Te poderei limpar as
lágrimas? Deixa-me adivinhar…. Amando-Te sobre todas as coisas também com este
corpo assim enfezado, ridículo, disforme. Entregando-To inteiramente para que
lhe dês o destino que quiseres.
– Bem hajas, Salomão. Mas olha que Eu posso
precisar dele para fins não muito agradáveis para ele…
– Não importa, Mestre. Serve-Te dele para o
que quiseres. Se o quiseres aproveitar para me moldar o meu novo Corpo ou o
novo Corpo de alguém, eu ficaria muito feliz. Porque Tu estás-me moldando um
novo Corpo, não estás?
– Estou, Salomão. É claro que estou.
– À Imagem do Teu, não é?
– É sim, Salomão. Do Meu Corpo ressuscitado.
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