Muitas vezes aqui tenho dado testemunho da surpreendente insistência de
Jesus na importância da fisicalidade em geral, mas em particular da nossa
“Carne”, de onde, inesperadamente, realça mais o prazer que a dor. A nossa
Carne foi feita para ser feliz – proclama Ele. Esta proclamação estava na Bíblia mas, desgraçadamente, tem-nos
sido ocultada com sisudas máscaras de espiritualidade. Mas é agora o tempo de
proclamar que a Bíblia guarda o mais belo e poderoso Cântico ao Amor sensual
jamais ouvido!
30/6/95
– 9:20
O
Cântico dos Cânticos é reconhecidamente difícil de interpretar e portanto é
possível que nele caibam todas as subjectividades. E isto não é um mal; é o
maior dos bens. É que assim todo o coração ali pode encontrar alimento e o que
importa é que os corações vivam e cresçam. Perante esta absoluta necessidade e
urgência, toda a objectividade que a nossa orgulhosa razão arvorou em lei
suprema de conduta, não só se torna inútil, como sobretudo um obstáculo ao
jorrar da Vida, esta sim, a única Objectividade que existe e sedentos devemos
procurar.
O Cântico dos Cânticos pode ser entendido
sob o ponto de vista meramente sensual. Pode sim, gentes, não fiquem com essa
cara! Todo o prazer físico é Dom de
Deus. Consideremos as dores todas do nosso corpo: originalmente eram prazeres!
O mar de dor física que hoje nos atormenta é proporcional ao prazer físico que
perdemos com o Pecado. Não havia dor física no Paraíso: havia só uma
estonteante sensualidade física! O Cântico dos Cânticos é um Hino ao Amor
Físico. Pode-o cantar um casal como hino de louvor e agradecimento à Bondade do
Senhor em momento de puro encanto perante o corpo um do outro, sob a onda de
felicidade sensual que a partilha física pode proporcionar. Por isso está o
texto que o Senhor me deu hoje recheado de alusões à Natureza pura, num
contexto de avassaladora sensualidade primaveril: a Esposa é uma “palmeira” à
qual o Esposo “sobe” para “colher os seus frutos”; os seus seios tornam-se
“cachos de uvas”, a sua boca torna-se flor que exala “perfume”, mais do que
isso, a sua boca, mais do que flor que apenas se cheire, passa a exalar “odor
de maçãs” – uvas e maçãs, que são coisas de comer
(cfr. v.9). Depois vêm coisas de beber: as palavras da Esposa são “um vinho
excelente que corre deliciosamente para o amado” e se lhe infiltra no corpo em
prazer lento, uma lentidão sugerida pelo verbo deslizar e pela enumeração
pormenorizada, e por isso retardadora, dos sítios por onde desliza o vinho:
“por entre os seus lábios e os seus dentes”… para o interior, sempre para o
interior! (cfr. v.10). A fala da Esposa, a seguir, confirma e amplia esta
insinuante sensualidade: Ela sabe-se puro dom e sedução para o amado: “Eu sou
para o meu amado e os seus desejos voltam-se para mim”. E é assim confiante nos
seus encantos como despertadores de “desejos” que ela dirige ao Esposo a pura
linguagem da sedução física: “Vem, meu amado, saiamos para o campo”, longe da
cidade sem vida, onde a sensualidade morreu; “passemos a noite nos pomares”,
envolvidos pela escuridão protectora da noite e pelo odor dos frutos, na
intimidade da nossa fome; “madrugaremos para ir às vinhas, e ver se a vinha
lançou rebentos, se as suas flores se abrem, se as romãzeiras estão em flor”!,
se a sensualidade da Natureza está na sua exuberância máxima. Ali, envolvidos
no Verde, penetrados das sensações todas da terra, sentidos todos em alerta
máximo, sôfregos de prazer, “ali te darei os meus amores”!
O Cântico dos Cânticos é um Hino ao Amor
Sensual, este fantástico Dom de Deus à Criação inteira, no Princípio, ao sair-Lhe
das Mãos como de um parto de Amor. Porque de Deus não sai nada mais do que
Amor: Ele é Amor. Só. Por isso até as pedras são amor só, vibrando no
portentoso movimento dos átomos!
Não sei porque razão me deu Jesus hoje estas
palavras a comer. Mas se me guiou para aqui, era este pelo menos um dos sabores
deste prato que Ele quis que eu saboreasse. Mais uma vez. Mas agora, não sei
porquê, senti-lhe mais intensamente o sabor do que das outras vezes. É claro
que o Pecado tudo emporcalhou, distorceu, amarfanhou e explorou até à exaustão,
até à morte, quase sempre, transformando todo o prazer em que toca em fonte de
dor. Por isso Jesus me diz que, para tudo regressar ao Princípio, a
sensualidade também, é preciso assumir a dor da Sua ausência, rejeitando a
máscara de sensualidade que o mundo tem para oferecer. Assim passaremos a
sentir fome e sede da Sensualidade que Deus inventou e nos deu, donde está
ausente toda a dor. Creio que só quando a nossa carne ressuscitar a
Sensualidade nos será restituída com todo o seu estonteante prazer. Mas Deus
pode dar-nos, já aqui, um antegosto dessa futura felicidade física, a espaços,
algo rudimentar como tudo neste mundo, mas já suficiente para paralisar de
encanto o nosso corpo carnal. Se soubermos renunciar à máscara, seguindo a Voz
do Senhor, receberemos então d’Ele esses momentos como encantador Dom da Sua
Bondade. Ele dá sempre mil por um! Estejamos atentos. Ele inventa maneiras
surpreendentes de nos fazer participar na felicidade física da Criação. Até aos
que “se fizeram eunucos por causa do Reino”, Ele pode conceder-lhes esse Dom: o
Amor tudo inventa para nos sentirmos amados!
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