Eu
escrevo numa confeitaria barulhenta aquilo que a minha Fé diz ser Palavra de
Deus. Eu tenho muito medo da vaidade e não sei se sou vaidoso. Eu falo com Jesus
numa linguagem vulgar. Eu não tenho nenhuma cerimónia com Jesus. Porque
primeiro que eu fez Ele tudo isto.
Confeitaria
“Márcio”, 19/12/94
– Olha, Jesus, Tu sabes: não sei se escreva
nem se não.
– E que problema é o teu?
– É esquisito: se isto é Teu, era sim ou era
não!
– É Meu o Amor; a cabeça é tua, as mãos são
tuas!
– Vês, Jesus? Não é para ficar confuso?
Ainda por cima o rádio, que o Sr. P. pôs muito alto neste momento, canta “Sai
da minha vida, sai, sai”! Mais lá atrás alguém dá marteladas não sei onde! A
empregada faz um barulho contínuo a lavar a louça, a empilhar a louça, sei lá!…
Eu queria estar fora disto tudo, só Amor Teu agindo, fazendo coisas, vendo
diante de mim o Teu Reino crescendo.
– Já sabes o que isso pode significar.
– Sei, sei! Como sei! Vaidade! Vaidade! Ver
diante de mim – até ia escrevendo mim com maiúscula! – o Teu Reino crescendo! O
Teu Reino, obra das minhas mãos, das minhas raquíticas mãos!
– Vá, acrescenta isso que ias dizer.
– Olha, Jesus, eu acho que não é só vaidade:
eu queria ver isto tudo a andar, eu queria ver o Teu Reino a revelar-se muito
forte, a irromper e a crescer de forma espectacular, mas também é verdade que
eu, embora quisesse ser actor destacado neste espectáculo, não me importava por
outro lado de estar só na plateia, anónimo entre os anónimos, dizendo para o
lado, para todos os lados à minha volta: “Olhem para aquilo! Jesus não é o
Máximo?” E gritar aplausos e bater palmas freneticamente e verificar que és
mesmo o meu Herói e que não tenho outro e que gosto muito-muito de Ti! Que Te
amo, prontos!
(Jesus só me põe a Mão sobre a cabeça,
acariciando-me em silêncio. Não sei porque não fala. Está magoado comigo? Está
sentindo que me ama demais para falar? Atrevo-me a perguntar-Lhe:)
– Porque estás calado, Jesus?
– Porque te amo e queria-te puro. Perfeito!
– Então vamos a isso, Jesus!
– A tua vontade está sempre pronta, de
facto.
– Mas a minha carne é fraca, é isso?
– É. É isso.
– E que posso eu fazer? Olha, vou-Te pedir
uma coisa: torna-a mais fraca ainda, fá-la sentir-se extremamente frágil,
impotente de todo e depois vem e sê Tu a sua Força, assume-a na Tua
Omnipotência, de modo que nada reste de mim estorvando a Tua Acção! Olha,
Mestre, não sei que possa fazer mais.
– Sabes, sabes. Ouve os meus desejos e
executa-Os.
– É tão difícil às vezes distinguir os Teus
desejos dos meus…
– Alguma vez Eu disse que os Meus Caminhos
eram fáceis?
– Pois. O Caminho és Tu e veja-se por onde
Tu andaste até à Ressurreição! Durante trinta anos ninguém soube nada de Ti e
nos três restantes, em troca de Te teres revelado como Filho de Deus, recebeste
insultos e por fim o suplício mortal da Cruz.
– Também recebi palmas…
– Pois recebeste. Mas as palmas, salvo
raríssimas excepções, eram para o Jesus que eles imaginavam, à sua imagem e
semelhança, e não para Ti! O Teu coração devia sofrer tanto…
– Encontrei algumas crianças… Algumas
pegaram mesmo em palmas e gritaram “Hossana! Hossana!”
– Pobre Jesus! Queres convencer-me de que
tiveste alguns momentos felizes na vida!
– Porquê? Não estás convencido?
– Talvez um ou outro momento de descanso, no
olhar de uma criança, num impulso esporádico de fé autêntica do Teu Pedro, do
Teu João… Mas de resto…
– Queres suportar Comigo esse “resto”, hoje?
– Eu querer propriamente não quero. Deve ter
sido horrível… Aqueles momentos em que os morcões dos Teus apóstolos Te falavam
em reinos iguais aos deste mundo, queriam que Tu fosses um rei de cá… Aquele
Getsémani! Aqueles momentos – que nunca mais acabavam, com certeza! – em que Te
achincalharam a Tua mais funda Personalidade ao porem-Te a coroa de espinhos,
fazendo do Rei do Universo um farrapo de carne… Aqueles cravos enterrando-se-Te
nos pulsos!… Eu propriamente não quero… Mas se é isto que queres de mim,
prontos, eu alinho, caraças!
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