Nestes tempos de primeira paixão, tudo o que nos acontece se torna
Sinal, a que prestamos uma atenção particularmente tensa. Os algarismos, uma
frase lida num qualquer Profeta, por
exemplo…
– Por se tratar de números não é
necessariamente Cabalística. A vossa necessidade de classificar e pôr rótulos!
– Pronto. Os números simplesmente. Até
porque eu não sei, em boa verdade, o que é a Cabalística.
– Os números são sinais. Eu falo também
através de sinais. De símbolos.
– De facto eu não posso pensar outra coisa
senão que Tu me estás querendo comunicar alguma coisa através dos números.
– Diz porquê.
– Começou pela primeira série de três
números iguaizinhos no mostrador do meu rádio-relógio: 3:33; 5:55. A primeira
vez que isto me aconteceu, apanhei um baque de coração: aquilo era estranho e
vi logo ali uma qualquer manifestação da Tua Vontade – eu andava, e ando,
ansioso, insistente, à procura da Tua Vontade. Aquilo era qualquer sinal Teu.
Depois o texto que li: extremamente certeiro, dirigido directamente à situação
interior daquele momento. E sempre assim. Os números passaram a ser um sinal,
um aviso de alerta: Tu querias dizer-me alguma coisa especialmente a mim.
– Sinais, Salomão! Ah, os sinais! Faço
continuamente sinais aos homens e eles, distraídos, não lhes ligam!
– Estás-me fazendo um sinal neste momento,
desde o princípio deste escrito.
– Estou?
– Não é um sinal visível. Não sei como lhe
hei-de chamar. É um pensamento, que virou inquietação logo após começar a
escrever: eu não rezo, invocando a Tua Presença. É isto um sinal, Senhor? Um
sinal no cérebro? Como uma luzinha piscando?
– Ah, Salomão! Pudessem as minhas criaturas
humanas estar sempre atentas às Minhas “luzinhas piscando”. A cada momento
acendo aos homens, no cérebro, no coração, a Minha Luz. Mas eles rejeitam-na.
– Eu rejeitei-a tantas vezes! Via-a mas não
me convinha segui-la: contrariava a
minha vontade, alumiava-me caminhos difíceis.
– É difícil o caminho que a Minha Luz agora
te mostra?
– Não. É só pedir-Te. Pedir-Te que estejas
presente aqui, agora!
– Salomão, Salomão! Pedir-Me que esteja
presente? Eu não estou sempre presente?
– Estás-me confundindo, Senhor! Eu sei que
estás sempre presente. Sempre. Sempre. À minha porta, à porta de toda a
criatura humana, como Mendigo esperando, desejando loucamente que Te abram a
porta, mas não a forças nunca, nem sequer um pouco, com receio de incomodar,
com receio de violar a Liberdade que nos deste!
– Então pedir a Minha Presença...
– É só abrir-Te a porta, é só permitir que
entres, é só dar-Te um banquinho para descansares, é só oferecer-te uma tigela
de sopa e uma côdea! Meu Deus, até faz impressão! Tu sabes como eu chorei,
quando, no Rossão, junto à capelinha da Cruz, li isto pela primeira vez na
Vassula. Tu sabes como todo o meu interior gritava: “Tu não podes fazer isto!!!
Tu és Deus!!! Tu és o Omnipotente Senhor do Universo!!! Tu és o Criador do
homem, esta formiguinha que se move a Teus Pés!!! Não faças isso!!!” Cheguei a
exclamar: “Até fazes nervos!!! Entra! Arromba a porta! Tu és o Dono da casa!!!”
Então contemplava o mundo dos homens e tremia de indignação... acho que era
contra Ti: “Pois claro!!! Por esse caminho como queres Tu que os homens Te
respeitem! Um mendigo não se respeita! Um mendigo corre-se para longe para não
incomodar! Pois claro!!! Nem respeito! Quanto mais amor!” Acho que isto é quase
uma blasfémia!
– Tu sabes que não foi blasfémia, Salomão!
Eu sentia-me muito feliz: tu ias entendendo.
– Estavam-me entrando no coração duas coisas
ao mesmo tempo: a Liberdade e o Amor. A Tua Liberdade! O Teu Amor!
Absolutamente arrasador, tudo! A este ponto chega o Teu Amor! Porque tudo se
resume a um Amor tão grande, que só em Deus poderá existir. Tu és Amor! Um Amor
que a mente humana jamais poderá entender! Por isso eu não entendia! Por isso
eu não entendo - presente do
indicativo! Mas sei, sinto que é para esses
lados que deve ser O AMOR! E vejo isto
pelo radical, incompreensível respeito que Tu tens pela Liberdade que deste ao
homem ao criá-lo!... Sabes o que estou a pensar/sentir?
– Sei.
– Posso ir por aqui? Posso tentar exprimir?
– Conseguirás?
– Sei lá... É uma sensação/visão tão
incrível, tão enorme...
– Experimenta dar um passo.
– Tu não podes pecar: és o Santo! És Eterno!
És Único desde sempre e para sempre. É absurdo pecares: pecarias sempre contra
Ti Próprio!... Jesus, desculpa, mas eu vou dizer: O Teu Amor foi ao ponto de
criares a Possibilidade de Pecado
contra Ti, ao decidires a criação de
Anjos e Homens!... Pronto, Jesus, não fiques assim calado, assim sério! Eu só
quero dizer a mim, ao mundo inteiro que o Teu Amor não tem limite nenhum!
Nenhum! Nenhum!
(Sinto
Jesus... como direi?... chorando de felicidade! Calado, duas lágrimas muito
grossas rolando-Lhe dos Olhos. Estranhamente, parecem-me também lágrimas de
Dor! Solene, indizível imagem de Jesus esta! Grande como Deus! Chorando como
Deus!... Meto-me em cada uma!...)
– Não tenhas medo, meu querido Salomão!
– Querido?
– Sim. Fala do Meu Amor. Fala do AMOR. É só
o que te peço. É só o que é necessário.
– Tudo o resto virá por acréscimo?
– Isso. Tudo é resto...
– Não está bem como Tu queres. Deixa-me
emendar.
– Tudo o mais é resto. E virá por acréscimo.
– Mas aquela do pobre faminto, descalço, à
nossa porta, de cabecita tombada, escutando, ansiando pelo menor sinal, dentro
de casa, que te venham dar a tal malga de sopa, a tal côdea, que talvez até Te deixem entrar, Te ofereçam
um banquito para descansares um pouco, que talvez
até Te dirijam a palavra... Te perguntem quem és... enfim, que queiram
saber alguma coisita de ti... Vês, Jesus, até deixei de escrever o Teu Pronome
com letra maiúscula!
– Faz de novo a tua costumada oração.
– Gostas dela?
– Gosto muito.
– Esta do probrezinho, perdão, POBREZINHO,
continua a fazer-me nervos. Mas acho que devem ser uns nervos bons: eu creio
que tem que ser assim, sei agora que
é esta a Tua Pedagogia desde a Grande Dor, quando o Homem pecou. Então rezo
assim: “Força um bocadinho, Senhor! Não tenhas medo, que não violentas a minha
Liberdade: eu quero, é vontade minha! Força, força, Senhor! Força muito! Não
tenhas escrúpulos! Vá! Arromba a porta,
entra de chicote, como fizeste no templo, varre de uma assentada toda esta
tralha nojenta com que atravanquei a Tua Casa até ao tecto! Vá, Jesus! Eu não
me importo! Eu quero! Não tenhas o mínimo escrúpulo! Não me violentas. É tudo o
que eu quero: que varras, que laves, que purifiques, que restaures no seu
esplendor original, a Tua Casa que eu sei que sou no Teu Sonho. Realiza o Teu
Sonho em mim! Força! Arrebenta com tudo o que eu me fiz, com tudo o que eu para
aqui fui acarretando ao longo dos anos e que não deixa aqui respirar o Teu
Espírito! Não tenhas medo, Jesus! Não ofendes a minha liberdade! Nunca
ofenderás a Liberdade que me deste. Eu sei agora que a minha Liberdade é querer
o que Tu queres! Vem! Vem de chicote! Expulsa tudo daqui pela porta fora, como
um ciclone!” ...Olha, Jesus: transcrevi o que costumo pedir-Te e mais coisas
ainda.
– A do chicote.
– Essa. Sugeriste-me essa e eu gostei
imenso: é mesmo isso que eu quero! Vem de chicote, Jesus! Eu sou um vendilhão!
Tenho passado a vida a vender coisas minhas em Teu Nome, aqui, no Teu Templo! É
isso! É isso! Tal e qual!
– Entendes agora, Salomão, o que é a Graça?
– Foi uma coisa que sempre me custou muito a
entender.
– Exactamente porque sempre quiseste entender. Os Meus Dons não são para entender: recebem-se e agradecem-se.
– Então porque me perguntaste se eu entendo? Fui eu que não ouvi bem?
– Falo do verdadeiro Entendimento, que tem a
ver com a Sabedoria, que tem a ver com o Amor! Sempre com o Amor.
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