Nas nossas habituais paixões cria-se imediatamente uma tensão com as
exigências da rotina diária: exige o nosso coração a presença contínua da
pessoa amada e os nossos afazeres não o permitem. Quando nos apaixonamos por
Jesus, é igualzinho, diria que é muito mais dolorosa ainda esta tensão. Mais
tarde este problema é-nos resolvido de forma surpreendente…
Confeitaria
“Márcio”, 5/11/94
– Vá, Jesus, dá-me palavras.
– Pede-as.
– Já pedi. Dá-me palavras!
– Palavras tens tu a mais.
– Então como peço? Que peço?
– A Presença.
– De Quem?
– Presença com maiúscula.
– Ah. Só há uma Presença. Uma PRESENÇA. Tudo
o mais é Ausência!
– Sim, Salomão. Já rezaste?
– Pus a interrogação sem querer!!! Era para
pôr ponto final: Já rezaste.
– E que sentes?
– Que Tu comandas a minha caneta. Tu estás presente!
– Já rezaste?
– O meu entusiasmo, a minha fé na Tua
Presença é a oração!
– Vês? A Alegria que sentes dentro de ti é o
Meu Espírito!
(Apenas, dentro de mim, uma situação
exaltante, mas serena. Felicidade é talvez o termo.)
– És muito querido, Mestre! Não podia supor
que me levantasses um pouquinho o véu sobre o Mistério da Presença de Deus!
Presença há só uma. Sem esta, tudo o mais é Ausência!
– EU SOU AQUELE QUE É.
– O Teu Nome equivale a “Eu-Sou-Aquele-Que
-Está”?
– Equivale.
– És um assombro, Deus Altíssimo, Deus
Forte, Deus Imenso!
– Que me querias hoje?
– Queria dizer-Te tantas coisas!… Tens-me
revelado… olha: parece que é o Céu inteiro que desaba sobre mim!
– E inquietações?
– Algumas.
– Aponta-as, apenas.
– A confissão. A relação estar Contigo -
estar com os homens. A minha vocação.
– Fala desta última.
– A leitura de hoje, às 4:51, foi
surpreendente. Trata da aliança de judeus e romanos. De Jerusalém com Roma!
Aliança política! Pelo menos assim me parecia. Desconfiei até da canonicidade
dos Livros dos Macabeus! Macabeus, primeiro livro, capítulo oito! Sujeição
voluntária do Teu Povo à Imperial Roma!
– E que sucedeu depois?
– O que quase sempre sucede: na altura em
que leio não percebo patavina e às vezes resmungo, com sono e com frio: Que
quer isto dizer? Que tem isto a ver comigo? Às vezes penso mesmo que me estás a
massacrar!
– Eu sou assim uma espécie de sádico?…
– Olha, Jesus: acho que é aqui que se situa
a fé! Quando Tu nos pareces desumano, quando Tu pareces uma pura invenção da
nossa impotência, quando nos passa pela cabeça que Tu se calhar até nem
existes, aqui é o lugar da Grande Prova: é aqui que… (Não encontro a
expressão…) Jesus, diz tu. Nasce? Se robustece?
– Nasce e se robustece a Fé.
– Nasce?
– A Fé nasce sempre onde o homem falha! A Fé
robustece-se sempre onde o homem duvida e sofre. A Fé é um Dom. Gratuito!
– Bem hajas, Jesus. Mas aquela de I Mac 8…
ainda falta dizer…
– Estás olhando as horas, estás dividido no
teu coração.
– Tantas vezes que isso acontece… É
exactamente este o meu outro problema: a tensão entre estar Contigo e estar nos
meus deveres do dia-a-dia.
– Onde preferes estar?
– Queria estar nos dois lados ao mesmo
tempo.
– Dois
lados?
– Queria que houvesse só um lado. Mas, pelo
menos para já, sinto dois. Dois lados difíceis de conciliar. Parece-me que os
afazeres deste mundo me afastam de Ti.
– E…
– E parece-me que estando Contigo estou a
afastar-me de coisas muito importantes para Ti e que estão no mundo.
– O que é “o mundo”?
– Espera aí!… “Mundus”, em latim, significa puro!
– Vou perdoar-te a vaidade!…
– Não sei como possa evitá-la.
– Sabes, sim! Vamos ao mundo.
– Pois. Não consigo sentir-Te, como agora,
por exemplo, quando estou ocupado com as várias tarefas que tenho que cumprir.
Nem sequer quando estou nas reuniões preparatórias dos Encontros de Cristãos!
Eu queria sentir-Te de forma nítida e muito forte em todo o lado, em todo, todo
o tempo! Devia ser assim, não devia?
– O mundo de que falas foi o sítio onde
morri. Foi esse mundo que Me cravou na Cruz! Queres a Minha Cruz?
– De antemão Te peço sempre: Jesus, se é
possível afasta de mim esse cálice. Mas – Tu sabes que isto é sincero –
acrescento logo, cheio de boa vontade e de amor por Ti: Manda-me o cálice e
dá-me coragem para o beber! É mesmo sincero, Jesus! Quero beber o cálice que Tu
bebeste!
– Ama o mundo. Esse, que te distrai de Mim!
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