No
início deste encontro pessoal com Jesus eu agia como qualquer um de nós nos
primeiros tempos de uma paixão arrebatadora: sempre que acordava, levantava-me,
ajoelhava e escrevia o que se passava dentro de mim. Isto poderia até parecer
perigoso para a saúde… Mas as paixões são assim, não?
Confeitaria
“Márcio”, 29/10/94
– A Tua Presença! Deus enorme! Deus
pequenino! Deus longe, Senhor do Universo! Deus perto, Deus próximo,
Companheiro, Amigo, Fogo querido dentro de nós! De cada um de nós! De cada um!
Dentro de mim!
– Salomão, Salomão! Porque não correspondes
ao Nosso Amor assim tão teu?
– Tão meu! E eu não correspondo! É verdade:
tenho-me dado conta ultimamente de que, de facto, só uma coisa é necessária! Mas eu vivo ainda preocupado com tanta
coisa, o coração preso a quase a totalidade do meu dia com tantas daquelas
coisas que vêm por acréscimo!
(Sinto que Jesus quer falar, mas eu não lhe
encontro a expressão...)
– Não sabes porquê, Salomão?
– Já estou a ver: o meu cérebro não está
ainda curado.
– Sou Eu que faço tudo. Mas nunca sem ti.
Não faço nada em vós sem vós!
– Não fazes nada-nada?
– Nada.
– Como? A iniciativa tem que ser nossa?
– Eu sou o Início de tudo!
– Há aqui uma contradição...
– Só há contradições na vossa cabeça. Só há
confusões quando vos falta o Coração!
– Como agora!?
– Como agora.
– Mas isto é físico, biológico. Pode vir da
falta de dormir, duma digestão mal feita, de grande cansaço, do estrondo da
Civilização, do stress!
– Eu posso curar-vos do estrondo da
Civilização.
– E das más digestões? E dos cansaços?
– Eu posso fazer das pedras filhos de
Abraão! Tudo em vós poderá virar Imagem perfeita
de Deus, se vós quiserdes!
– Voltamos ao mesmo: a iniciativa da nossa
cura tem que ser nossa!
– A iniciativa é vossa; o Início sou Eu!
– Jesus, gostei desta frase. E fiquei com
medo de que fosse uma frase minha, uma formulação genial da minha inteligência.
– A tua inteligência é uma “peça” perfeita,
criada por Mim com um Amor de Deus!
– Pus aspas em “peça”.
– Fizeste bem. Vós fazeis máquinas; eu faço
Expressões de Amor.
– Querido Jesus! Expressões de Amor! Eu ia
dizer Organismos, mas senti-Te resistindo a que eu escrevesse assim. E de
repente veio-me Expressões de Amor!
– Ainda duvidas da Minha Presença?
– Ando sempre inquieto. Sei que não és Tu
que me foges (como se escreve foges? Ou fojes?).
(Jesus ria-se às gargalhadas com esta
barracada de um professor de Português) Vá, não Te rias! É de tantos erros
emendar! Porque não emendas Tu?
– Eu?
– Pois! Tu não sabes Português, Tu não sabes
as línguas todas, as línguas dos homens, dos animais, das árvores, das pedras?
– Era uma Presença assim que tu querias?
– A bem dizer, era.
– Que respondes tu à tua filha quando ela
foge ao esforço, ao trabalho?
– A ociosidade enferruja.
– A ociosidade enferruja, Salomão!
– É por isso que me acordas à uma, às duas
da madrugada – para não enferrujar?
– Não te sentes enferrujar quando, sem sono,
permaneces de manhã na cama?
– Nos últimos tempos quando é que isso
sucedeu?
– Algumas vezes.
– É verdade. E começo a sentir-me mal: noto
que subtilmente me afasto de Ti. A moleza faz-me deslizar para apetites e
planos contrários ao Amor.
– A ociosidade enferruja, Salomão. A pouco e
pouco vai corroendo. Acaba por destruir totalmente.
– És muito severo e muito meigo, muito
exigente e muito querido, Jesus!
– Sou. A Minha Pedagogia tem esses dois
pólos.
– A mim falta-me quase sempre o segundo:
falta-me ser meigo e querido.
– Não faltes às Minhas aulas.
– Pois. O pior é quando Tu te lembras de dar
aulas às duas da madrugada!
– Não gostas?
– É uma sensação estranha: resmungo, mas
gosto sempre muito-muito.
– Às vezes...
– Eu sei o que vais dizer: às vezes tenho
tanto sono, que fecho novamente os olhos...
– E desejarias que Eu não te chamasse...
– Pois... Mas também é verdade que eu duvido
mesmo: penso que só acordo por causa de uma dessas tais más digestões e não
porque Tu me chamas.
– Vá, diz isso que te anda na cabeça – tu
hoje estás muito cabeça...
– Duvido por vezes se Tu exigirás assim
tanto: ler duas, três vezes por noite, ler de joelhos, neste frio que agora
faz...
– Eu quero tudo!
– Apre! E se uma criatura fica maluca por
causa disso?
– Por Meu Amor pode ficar-se louco. Mas nunca
doente. O Meu Amor cura. Com o Amor fica-se são. Santo.
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