24/11/96 – 4:00
(Jesus
havia-me dito: “Lê Marcos dezoito, doze”. Ora o Evangelho de Marcos só tem 16
capítulos!)
Faço hoje 56 anos. E começo esta celebração
de forma estranha: perplexo, confuso, decepcionado. Apetece-me chorar. E
pergunto: que prenda de aniversário será esta, este ano? O Mestre já me
habituou a receber d’Ele uma prenda, neste dia, e eu estou à espera. Também já
sei que as prendas d’Ele podem ser do mais estranho que há. Por agora só tenho
à minha frente alguns elementos desconexos: aquela citação do final do dia de
ontem, os algarismos a que há pouco acordei, um vago sonho e um coração triste
da frieza que sente. Que faço com isto? Se está aqui a prenda do meu Amigo e
Companheiro desta viagem pelo Deserto, então deve ser especialmente bela e
preciosa, porque é completa surpresa: nada disto que referi pode ser, de forma
alguma, uma prenda de um amigo. De facto, a primeira coisa que pôs diante de
mim é das maiores decepções que o Mestre até agora me proporcionou; a segunda,
embora os algarismos sejam expressivos em si, não sei como a hei-de
interpretar; a terceira deixou-me também frustrado, porque do sonho só retenho
que, num concurso qualquer, me metiam pena os desclassificados e todos os que
não chegaram ao primeiro lugar; a quarta, a da frieza de coração, sendo
habitual, não é de modo nenhum um clima que um amigo proporcione em dia de
aniversário. Para cúmulo, só me apetece largar o relato destas coisas,
enfiar-me na cama, desistir de tudo e tentar dormir.
Quanto mais fácil não era, de facto, largar
tudo isto, eliminar de uma vez por todas estas preocupações que eu próprio
criei! Tão fácil! Bastava um acto de vontade para que logo desaparecesse tanto
sofrimento, o de agora e o de há tantos anos! Mas não. Mesmo que este
sofrimento se multiplicasse por mil, eu não largaria o meu Amigo. E isto quer
dizer exactamente o que está sugerindo: que largar o sofrimento seria largar o
meu Amigo. E eu não O largo, prontos! Pode Ele fazer-me citações em falso
quantas vezes quiser, pode continuar a falar-me, até ao fim da vida, só por
sinais mudos, como os algarismos, pode mandar-me sempre sonhos que mais e mais
acentuem a minha impotência, pode reduzir-me o coração a uma pedra de gelo:
largá-Lo é que eu não largo. Se o Diabo julgou que, montando este diabólico
cerco ao meu coração, conseguiria algum dia asfixiar nele o meu Amigo, vai ver
os seus exércitos, um a um, morrer de fome e de peste, porque terá que manter o
cerco até ao fim da minha vida!
Choro. Choro muito. Assim inicia a
celebração do meu aniversário. Não sei ainda qual é a prenda do meu Amigo. Mas
surpreender, Ele já me surpreendeu com este rio de lágrimas a sair de um
coração que eu afirmei estar gelado.
– Mestre, vem cá: diz-me o que andas a fazer
comigo.
Jesus apertou-me muito contra Si e eu
senti-me, por um breve instante, desfalecer n’Ele. Agora Ele diz, com muita
serenidade, como quem fala para um amigo, inteiramente seguro da sua afeição:
– Queria só que continuasses o Evangelho de
Marcos, até ao versículo doze do capítulo dezoito, porque o Marcos termina na
Minha Ascensão e o Meu Evangelho não terminou aí. É o que querem dizer os Meus
Sinais, quando acordaste: Escreve, pela força do Espírito. Escreve que, no meu
Reino, os primeiros são os desclassificados deste mundo.
Sem comentários:
Enviar um comentário